Direito Ambiental - Uma Introdução Principiológica

16/09/2025

🌱📚 Aspectos Iniciais do Direito Ambiental


📖 Conceito e Natureza Jurídica

Segundo Frederico Amado, o Direito Ambiental constitui um ramo do Direito Público que reúne princípios e regras voltados à regulação das condutas humanas capazes de atingir o meio ambiente, seja de forma direta ou indireta, potencial ou efetiva.
👉 Trata-se de disciplina de natureza multidisciplinar, pois se alimenta de saberes extrajurídicos como a biologia, a geografia, a agronomia e até mesmo a biotecnologia, denotando sua feição transversal e complexa.


⚖️ Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) 

Define meio ambiente como:

"O conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas."


🌍 Espécies de Meio Ambiente

O meio ambiente não se restringe à dimensão natural; assume múltiplas formas reconhecidas pela doutrina:

  • 🌳 Natural (ou Físico) → engloba os elementos da natureza com vida ou inanimados, cuja existência independe da ação humana: água, fauna, flora, atmosfera, subsolo.


  • 🏛 Cultural → corresponde às criações humanas de valor tangível ou intangível que se incorporam ao patrimônio coletivo: casas tombadas, sítios arqueológicos, bens imateriais protegidos.


  • 🏙 Artificial → também resulta da intervenção humana, mas não compõe o patrimônio cultural: praças, ruas, prédios não tombados.


  • 👷 Laboral (ou do Trabalho) → concerne ao cumprimento das normas de segurança e saúde ocupacional, assegurando ao trabalhador condições dignas e seguras.


🌐 A Internacionalização da Questão Ambiental


A proteção ambiental ganhou fôlego no plano global, erigindo-se como tema de governança internacional:

  • 🇸🇪 Conferência de Estocolmo (1972) marco inaugural da consciência ambiental planetária, reunindo 113 países sob a égide da ONU. Produziu a Declaração de Estocolmo e criou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), sediado em Nairóbi.

  • 📑 Relatório Brundtland (1987) → fruto da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1983), definiu o conceito clássico de desenvolvimento sustentável:

    "Atender às necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades."

  • 🌎 ECO-92 / Rio-92 (Cúpula da Terra) → congregou 179 países, resultando na Agenda 21 (soft law, ou seja, não vinculativa) e na Convenção sobre Diversidade Biológica (hard law, ou seja, vinculativa).

  • 🇯🇵 Protocolo de Kyoto (1997) → instrumento de combate às emissões de gases de efeito estufa.

  • 🌍 Acordo de Paris (2015) → com a adesão de 196 países, estabeleceu a meta de manter o aquecimento global abaixo de 2°C, simbolizando o esforço coletivo em escala civilizatória.


⚖️🌿 Princípios do Direito Ambiental


🔹 Prevenção

📌 Segundo Frederico Amado, sempre que possível deve-se adotar medidas preventivas para evitar danos ao meio ambiente, cuja degradação é, em regra, irreversível.

✔ Aplica-se quando o risco é concreto e cientificamente comprovado.
👉 Exemplo clássico: exigência do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para licenciamento de atividades potencialmente poluidoras.

📖 Origem: Declaração de Estocolmo (1972).
📜 Previsão expressa: art. 225 da Constituição Federal.


🔹 Precaução

⚠️ Derivado do Vorsorgeprinzip alemão (1976), consagrado internacionalmente na Conferência do Mar do Norte (1987) e na Declaração do Rio (ECO-92).

Incide quando não há certeza científica absoluta, mas existem indícios consistentes de que determinada atividade pode gerar danos graves e irreversíveis.

📖 Princípio 15 da Rio-92:

"Na ausência de certeza científica absoluta, não se deve adiar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental."

👉 Implicações práticas:

  • Inversão do ônus da prova → cabe ao empreendedor demonstrar a inexistência de risco.

  • Legitima o Poder Público a negar autorização a atividades potencialmente impactantes até que haja segurança científica.

  • ⚖️ Fórmula: in dubio pro natura.


🔹 Prevenção vs. Precaução

  • 🔬 Prevenção → riscos concretos e conhecidos.

  • Precaução → riscos abstratos, incertos, mas prováveis.


🔹 Desenvolvimento Sustentável

🌎 Origem: Estocolmo (1972) → consolidado no Relatório Brundtland (1987).

📖 Definição clássica: atender às necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras.

📜 CF/88: previsão implícita (arts. 225 e 170, VI).

🔑 Premissa: a proteção ambiental é parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser dissociada dele.


🔹 Poluidor-Pagador

💸 Responsabilidade de quem degrada, direta ou indiretamente.

✔ Exige a internalização dos custos ambientais da atividade, impedindo a socialização dos prejuízos.

📜 Base normativa: CF/88 (art. 225, §3º), ECO-92 e Lei 6.398/85.
⚖️ Responsabilidade objetiva → reparação in integrum, restabelecendo o status quo ante.

👉 Não significa "licença para degradar mediante indenização", mas imposição de reparação obrigatória.


🔹 Protetor-Recebedor

🌱 Representa a face positiva da moeda.
📌 Busca incentivar condutas protetivas, conferindo vantagens a quem preserva o meio ambiente.

👉 Exemplos:

  • Compensação financeira a proprietários rurais que mantêm reserva florestal acima do mínimo legal.

  • Créditos subsidiados.

  • Incentivos fiscais.


🔹 Usuário-Pagador

💧 Distinto do poluidor-pagador.

✔ Determina que quem utiliza recursos naturais deve pagar pelo uso, ainda que não cause poluição.

👉 Exemplo: cobrança pelo uso da água (Lei de Recursos Hídricos).


🌍 Princípios com Enfoque Internacional


  • 🤝 Cooperação entre os Povos → poluição não reconhece fronteiras, exigindo esforço global e solidário.

  • 👶➡️👵 Solidariedade Intergeracional → dever da geração presente de preservar recursos para as futuras (CF/88, art. 225).

  • 🌐 Responsabilidade Comum, porém Diferenciada → todos os países têm deveres ambientais, mas os grandes poluidores devem assumir encargos mais rigorosos.


🏛 Princípios de Estrutura e Participação


  • ⚖️ Natureza Pública da Proteção Ambiental → dever irrenunciável do Estado proteger o meio ambiente como bem de uso comum do povo.

  • 🗣 Participação Comunitária (Princípio Democrático) → garantia de intervenção popular em decisões ambientais (audiências públicas, consultas, ação popular).

  • 🏠 Função Socioambiental da Propriedade → hoje se fala em ecologização da propriedade (art. 1.228, §1º, CC), vinculando o uso à proteção ambiental.

  • 📊 Informação → transparência obrigatória sobre dados ambientais, salvo sigilo industrial.

  • 🚫 Limite (Controle) → dever estatal de fixar padrões de poluição, garantindo saúde pública e equilíbrio ecológico.


Outros Princípios Relevantes

  • 🌿 Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

  • 📚 Educação ambiental.

  • ⚖️ Equilíbrio (proporcionalidade).

  • 🔄 Acesso equitativo aos recursos naturais.

  • 🌐 Ubiquidade → meio ambiente em todas as políticas públicas.

  • ❤️ Direito à sadia qualidade de vida.

  • 🔄 Reparação integral.

  • Vedação ao retrocesso ecológico (non cliquet).

  • 🌱 Progresso ecológico.


📜🌿 Normas Constitucionais em Matéria Ambiental


📖 A Constituição de 1988 e o Meio Ambiente

A Constituição da República de 1988, sob influência da Declaração de Estocolmo (1972) e do Relatório Brundtland (1987), rompeu paradigmas históricos ao atribuir ao meio ambiente um capítulo próprio Capítulo VI, Título VIII – elevando-o à condição de direito fundamental de terceira dimensão.

📌 O art. 225 da CF/88 inaugura a ordem ambiental constitucional:

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."

⚖️ Trata-se de direito difuso, de titularidade coletiva, com dimensão individual e transgeracional, vinculando tanto a Administração quanto a sociedade civil.


🔹 Deveres Constitucionais do Poder Público (§ 1º)

A Carta detalha, em sete incisos, incumbências concretas do Estado:

  1. 🌳 Preservar e restaurar processos ecológicos essenciais.

  2. 🧬 Proteger o patrimônio genético, fiscalizando pesquisas e manipulação de material biológico.

  3. 🗺 Definir e proteger espaços territoriais especialmente protegidos (ex.: Unidades de Conservação).

  4. 📑 Exigir Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para obras ou atividades de significativa degradação.

  5. ⚠️ Controlar substâncias, métodos e técnicas nocivas à vida e à saúde ambiental.

  6. 📚 Promover educação ambiental em todos os níveis de ensino.

  7. 🐆 Proteger fauna e flora, vedando práticas cruéis ou que provoquem extinção de espécies.


🔹 Demais Parágrafos

  • §2º → exploração mineral = obrigação de recuperação ambiental.

  • §3º → responsabilidade tripla e autônoma: penal, administrativa e civil.

  • §4º → reconhecimento de biomas como patrimônio nacional (Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica, Serra do Mar, Zona Costeira).

  • §5º → indisponibilidade de terras devolutas necessárias à proteção dos ecossistemas.

  • §6º → usinas nucleares → localização somente definida por lei federal.

  • §7º → exceção cultural para práticas desportivas com animais (ex.: vaquejada), desde que reguladas e respeitando o bem-estar.


⚖️ O Caso da Vaquejada e o Backlash Constitucional

Em 2016, o STF, na ADI 4983/CE, declarou a inconstitucionalidade de lei estadual que regulamentava a vaquejada, entendendo que a prática implicava crueldade contra animais, violando o art. 225, §1º, VII da CF.

📌 Info 842 do STF: a proteção da fauna prevalece mesmo diante do valor cultural da manifestação.

Pouco depois, o Congresso Nacional aprovou a EC 96/2017, inserindo o §7º ao art. 225, relativizando a proibição e permitindo práticas desportivas com animais quando reconhecidas como manifestações culturais.

🎭 Esse movimento revela o fenômeno do backlash constitucional: reação do poder legislativo (majoritário) contra decisão de um poder contramajoritário (judiciário).


⚖️ Controle de Constitucionalidade da EC 96/2017

A PGR, na ADI 5728, opinou pela inconstitucionalidade da emenda, sustentando a existência de limites materiais ao poder constituinte derivado reformador.

📖 Trecho relevante do parecer:

"O direito ao meio ambiente equilibrado, por sua natureza circular e objetiva, volta-se contra os próprios titulares, impondo ao Estado e à coletividade o dever irrenunciável de preservar a fauna e vedar práticas cruéis contra os animais."

🔑 A tese central: a proteção da fauna, como núcleo essencial do direito ambiental, não poderia ser flexibilizada nem mesmo por emenda constitucional.

Recentemente, em março deste ano de 2025, o STF apreciou a ADI 5728. A seguir,aprofunda-se na temática:


📜 Tese fixada pelo STF

É constitucional — por não configurar violação às cláusulas pétreas e por respeitar os limites formais e materiais da Constituição Federal de 1988 — a Emenda Constitucional nº 96/2017 (art. 225, §7º, CF/88), que dispõe:

Práticas desportivas com animais, como a vaquejada, não são consideradas cruéis, desde que sejam manifestações culturais registradas como patrimônio cultural imaterial e regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.

📌 STF. Plenário. ADI 5.728/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/03/2025 (Info 1169).

🧩 Teoria dos Diálogos Institucionais

🔑 O STF aplicou a teoria dos diálogos institucionais, segundo a qual:

  • A decisão do STF é a última palavra provisória.

  • O Congresso pode reagir legitimamente, apresentando nova interpretação constitucional, desde que respeitados os limites formais e materiais do art. 60 da CF.

  • O sistema constitucional é dialógico e dinâmico, não fossilizando valores, mas permitindo amadurecimento democrático.


🌱  Constituição Verde


A CF/88 é considerada a "Constituição Verde", pois:

  • Trouxe capítulo específico sobre meio ambiente.

  • Espalhou a transversalidade ambiental em todo o texto constitucional (ordem econômica, função social da propriedade, competência concorrente legislativa etc.).

  • Incorporou a noção de sustentabilidade como valor constitucional implícito.

📌 Resultado: o Brasil possui um dos mais avançados sistemas constitucionais de proteção ambiental do mundo, embora nem sempre efetivamente aplicado.


⚖️📚 Jurisprudência Ambiental Relevante


📌 1. Súmula 618 do STJ

📝 "A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental."
📖 STJ, Corte Especial, DJe 30/10/2018.

🔑 Significado prático:

  • O demandado (empreendedor, concessionário ou poluidor) passa a ter o encargo de demonstrar que não causou dano ambiental.

  • Concretiza os princípios da precaução e do favor debilis (proteção da vítima ambiental).


⚖️ 2. Princípio da Precaução e Inversão do Ônus

📌 AgInt no AREsp 1311669/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., DJe 06/12/2018
➡ O STJ firmou que o princípio da precaução impõe ao empreendedor o ônus de comprovar que sua atividade não gera riscos ambientais.
👉 Caso: pescadores x concessionária → riscos potenciais ao meio ambiente e à atividade econômica.


📌 AgRg no REsp 1139791/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T., DJe 26/10/2016
➡ Instalação de estação rádio-base → diante da ausência de certeza científica sobre eventuais danos à saúde humana, prevalece a proteção ambiental.


🌍 3. STF e Radiações Eletromagnéticas

📌 RE 627189/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, julgado em 08/06/2016
➡ O STF entendeu que, como a ciência ainda não comprova de forma definitiva os efeitos nocivos da exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos,
aplica-se o princípio da precaução.

👉 Assim, valem os parâmetros da OMS previstos na Lei nº 11.934/2009.


🐂 4. Prevenção e Risco de Disseminação de Doença Animal

📌 AgRg na SLS 1.749/RN, Rel. Min. Felix Fischer, Corte Especial, DJe 22/05/2013
➡ Transporte de animais de área não livre de febre aftosa para área considerada livre → risco de grave lesão à economia pública.

🔑 Aplicação do princípio da prevenção: risco concreto e conhecido, devendo-se impedir a prática antes do dano ocorrer.

💸 5. Poluidor-Pagador e Reparação Integral

📌 AgInt no AREsp 620.488/PR, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe 11/09/2018
➡ O STJ reforçou que os princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum e da reparação prioritária in natura
legitimam a inversão do ônus da prova em prol da vítima ambiental.

🔑 Ideia central:

  • A reparação deve buscar restabelecer o status quo ante.

  • A indenização pecuniária só é aceita quando a recomposição integral do meio ambiente é impossível.


Síntese Didática

  • Precaução → risco incerto → exige cautela, ônus ao empreendedor.

  • Prevenção → risco concreto e comprovado → deve-se impedir a atividade.

  • Poluidor-pagador → internalização dos custos da degradação.

  • Reparação integral → prioridade à restauração do ambiente.

  • Favor debilis → proteção da parte mais fraca (vítima ambiental).

📌 Assim, a jurisprudência reafirma que o Direito Ambiental no Brasil adota postura protetiva e expansiva, privilegiando a tutela preventiva e a inversão probatória para assegurar máxima efetividade ao art. 225 da CF/88.