Entrada Domiciliar Sem Mandado Sempre Exige Prova Documental Da Autorização ?

13/06/2025

🏛️ 1. O Dilema Constitucional: entre o asilo inviolável e a repressão ao crime

A inviolabilidade do domicílio — consagrada no art. 5º, XI, da Constituição da República — não é um direito absoluto. Ao lado da cláusula de proteção ao lar privado, convivem exceções expressamente previstas, como o flagrante delito, o desastre, o socorro e o cumprimento de mandado judicial durante o dia.

O problema prático, no entanto, emerge quando a autoridade policial, sem mandado, adentra o domicílio com base em suposta autorização verbal de um morador. Nesses casos, é imprescindível delimitar quando essa permissão deve ser formalmente comprovada e quando a ausência dessa formalização não compromete a licitude da diligência.


🧩 2. O ponto central: quando se exige a prova documental do consentimento?

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem oscilado entre duas posições interpretativas:


POSIÇÃO FLEXÍVEL: desnecessidade de registro formal

Em situações nas quais haja um robusto contexto de flagrância, amparado por elementos objetivos, contemporâneos e juridicamente relevantes, o consentimento verbal do morador, mesmo não documentado, pode ser considerado suficiente — desde que:

📌 Os relatos dos agentes públicos sejam coerentes entre si,
📌 Estejam em harmonia com os demais elementos dos autos, e
📌 Não haja indícios de coação, intimidação ou desvio de finalidade.


Exemplo paradigmático:
No julgamento do AgRg no RHC 200.123-MG (Info 847/STJ), a Quinta Turma considerou legítima a entrada na residência do investigado sem mandado e sem gravação da autorização, pois:

  • Havia diversas denúncias anônimas convergentes;

  • Foi encontrado com o suspeito arma de fogo municiada em via pública;

  • O próprio indivíduo confessou guardar drogas em casa, indicando o local;

  • A companheira do investigado autorizou verbalmente a entrada, segundo os depoimentos dos policiais, sem qualquer sinal de coação.

📌 Nessa hipótese, o STJ entendeu que o contexto probatório supria a ausência de formalização do consentimento.


🚨 POSIÇÃO RESTRITIVA: necessidade de prova expressa da autorização

Por outro lado, quando o contexto do flagrante é frágil ou inexistente, e o único elemento legitimador da entrada é a suposta autorização do morador, o ônus recai sobre o Estado para comprovar, de forma inequívoca, a voluntariedade do consentimento.

📽️ Nesses casos, exige-se que a permissão esteja registrada por escrito, ou preferencialmente, em áudio e vídeo.

Exemplo ilustrativo:
No AgRg no HC 766.654-SP (Info 759/STJ), a Corte reconheceu a ilicitude da entrada domiciliar, pois:

  • A abordagem se deu com base exclusiva em denúncia anônima;

  • Nada de ilícito foi encontrado na posse do suspeito na via pública;

  • A companheira alegou ter sido coagida a autorizar a entrada, sob ameaça de "perder a guarda do filho".

🛑 Sem qualquer outro indicativo de flagrante, a autorização verbal não documentada foi considerada inválida, e a diligência, abusiva.


📚 3. Regras extraídas da jurisprudência consolidada

A partir da análise dos precedentes mais recentes do STJ, é possível extrair os seguintes parâmetros práticos:


🏁 4. Conclusão: o critério da razoabilidade probatória

A (in)dispensabilidade da formalização da autorização para ingresso em domicílio sem mandado judicial não depende de um formalismo cego, mas sim do conjunto probatório que cerca a diligência:

✅ Se há fundadas razões demonstradas objetivamente e relatos consistentes de autorização espontânea, a ausência de gravação não invalida a prova;

🚫 Mas se o contexto é duvidoso, os indícios de crime são frágeis e o consentimento é a única base da entrada, a prova de sua regularidade passa a ser indispensável, sob pena de violação à cláusula constitucional da inviolabilidade domiciliar.


Até a próxima! 👋