Jurisdição Voluntária: Aspectos Gerais

🧭 Jurisdição Civil: Contenciosa vs Voluntária
Antes de aprofundarmos na jurisdição voluntária, é válido relembrar que o CPC/15 traz expressamente esta divisão da jurisdição: contenciosa vs voluntária. Vamo relembrar rapidamente o conceito de jurisdição contenciosa e suas características?
⚔️ Jurisdição Contenciosa
Ocorre quando há conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.
📌 Características:
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📝 Ação
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⚖️ Lide
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🧾 Processo
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🗣️ Contraditório (ou sua possibilidade)
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📜 Produz coisa julgada
👩⚖️ Exemplo: ação de alimentos, reintegração de posse, indenização por danos morais.
📘 1. Jurisdição Voluntária: Conceito e Localização Sistemática
A jurisdição voluntária representa uma forma peculiar de intervenção do Poder Judiciário, sem litígio propriamente dito, e se materializa em atos de administração pública de interesses privados, onde o Estado exerce atividade de conformação jurídica, visando garantir segurança, regularidade e eficácia a determinadas relações jurídicas.
O Novo CPC, em seu art. 719 e seguintes, trata expressamente da jurisdição voluntária, conferindo-lhe natureza própria, com características singulares que desafiam as clássicas distinções entre jurisdição, administração e processo.
🧩 2. Natureza Jurídica: Correntes Doutrinárias
🏢 2.1. Teoria Administrativista ou Clássica
📚 Autores Principais: Arruda Alvim, Nelson Nery
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Considera a jurisdição voluntária como uma atividade administrativa exercida pelo juiz, e não jurisdição em sentido técnico.
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O magistrado não impõe sua decisão a partes em conflito, mas apenas homologa, autoriza ou valida atos jurídicos.
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O juiz não substitui vontades, mas atua como um "oficial jurídico", exercendo função pública de controle da legalidade de interesses privados.
📌 Características:
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Inexistência de contraditório pleno;
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Ausência de lide;
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Ausência de partes (há apenas interessados);
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Não há processo, mas mero procedimento;
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Inexistência de coisa julgada material.
⚖️ 2.2. Teoria Jurisdicionalista ou Revisionista
📚 Autores Principais: Dinamarco, Marinoni.
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Sustenta que a jurisdição voluntária é verdadeira jurisdição, ainda que não contenciosa.
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Há aplicação do Direito objetivo e o Estado exerce poder-dever jurisdicional ao controlar a conformidade jurídica de certos atos.
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O juiz pode:
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Iniciar de ofício (inquisitoriedade – arts. 738 e 744 do CPC);
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Produzir provas contra vontade das partes;
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Julgar contra a vontade de ambas;
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Decidir com base na equidade (art. 723, parágrafo único, CPC).
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📌 Portanto, trata-se de jurisdição em sentido material, pois há substituição da vontade das partes pelo pronunciamento estatal.
🌀 2.3. Teoria Autonomista
📚 Autor: Elio Fazzalari
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Considera a jurisdição voluntária como uma função própria, nem administrativa nem jurisdicional, mas um modelo híbrido.
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Propõe o reconhecimento de um "quarto poder funcional", que gere segurança e conformidade jurídica para relações sem conflito.
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Defende a superação da dicotomia jurisdição/administrativo, com fundamento na complexidade das funções estatais contemporâneas.
🔬 3. Características Estruturantes da Jurisdição Voluntária
🟠 3.1. Obrigatoriedade
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A jurisdição voluntária é obrigatória sempre que houver previsão legal que condicione o efeito jurídico à intervenção judicial (Ex: art. 610, §1º e 733, §§1º e 2º, CPC).
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A expressão "voluntária" não implica em "facultativa".
🟡 3.2. Princípio Inquisitivo
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O juiz pode agir de ofício, produz provas, e inclusive julgar contra a vontade das partes.
⚖️ 3.3. Juízo de Equidade
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O juiz pode decidir sem observar rigorosamente a legalidade estrita, solucionando conforme o que for mais oportuno e conveniente, nos termos do art. 723, parágrafo único, CPC.
🟤 3.4. Fiscalização do Ministério Público
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Conforme art. 721 do CPC, o MP deve atuar como fiscal da ordem jurídica em diversos procedimentos (Ex: interdição, tutela, curatela).
🧠 4. Elementos Polêmicos e Controvérsias
🚫 4.1. Inexistência de Caráter Substitutivo
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O juiz não substitui a vontade das partes: apenas integra e valida o acordo.
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A ausência de substitutividade é apontada pela teoria clássica como indicador da natureza administrativa.
📜 4.2. Inexistência de Aplicação de Direito ao Caso Concreto
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A corrente administrativista afirma que o juiz não aplica o direito objetivo ao caso, apenas confirma o que já está legalmente permitido.
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A teoria jurisdicionalista, por sua vez, afirma que há aplicação do Direito, sim, ainda que de forma orientadora e não impositiva.
⚔️ 4.3. Ausência de Lide
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As vontades são convergentes. Todavia, a obrigatoriedade legal de obter intervenção judicial gera uma "resistência legal" que legitima a atuação do Judiciário.
👥 4.4. Não há Partes, mas Interessados
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Segundo a doutrina clássica, há apenas "interessados", pois não há antagonismo entre sujeitos.
🔁 4.5. Não há Processo, mas Mero Procedimento
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Há divergência doutrinária: muitos afirmam que existe processo, com contraditório e garantias; outros sustentam que há apenas um rito administrativo formalizado.
📄 4.6. Inexistência de Coisa Julgada Material
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Para os administrativistas, a decisão pode ser modificada ou revogada, não sendo dotada de imutabilidade.
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Contudo, jurisprudência atual e parte da doutrina defendem a existência de coisa julgada material, com base na segurança jurídica e estabilidade das relações jurídicas (Ex: art. 1.111 do CPC/1973 – revogado).
Até a próxima! 👋