Lei 14.994/24: Lei Anti feminicídio

27/10/2024

⚖️ Pacote Antifeminicídio (Lei 14.994/2024)

A Lei nº 14.994, de 9 de outubro de 2024, marca uma inflexão paradigmática no enfrentamento à violência de gênero no Brasil. Conhecida como Pacote Antifeminicídio, essa legislação alterou substancialmente o Código Penal, a Lei Maria da Penha, a Lei de Execução Penal, a Lei dos Crimes Hediondos e o Código de Processo Penal, visando não apenas endurecer penas, mas reforçar o reconhecimento institucional da dignidade da mulher.

Antes devermos as alterações, é importante compreendermos um ponto central e conceitual: o que se entende por razões do sexo feminino? Essa expressão fará toda a diferença na tipificação e nas incidências de majorantes e outros detalhes que veremos a seguir.

📘 Art. 121-A, § 1º – Código Penal:

"Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve:

I – violência doméstica e familiar;
*II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher."


🔍 Desdobrando a expressão:


1. 🏠 Violência doméstica e familiar

Trata-se de crimes cometidos no âmbito:

  • da convivência doméstica (mesmo sem laço de sangue ou afeto),

  • no lar ou na unidade doméstica,

  • ou dentro de relações íntimas de afeto, com ou sem coabitação.

🔸 Enquadram-se maridos, companheiros, ex-namorados, pais, irmãos, enteados, entre outros.

➡ Exemplo típico: ex-companheiro que mata a mulher por não aceitar o fim da relação.


2. ⛓️ Menosprezo ou discriminação à condição de mulher

Essa é a chave interpretativa mais ampla e exige uma análise da motivação do agente. Envolve:

  • Crimes motivados por misoginia ou ódio ao feminino;

  • Situações em que a mulher é tratada como inferior, objeto, propriedade ou incapaz;

  • Ataques resultantes de rejeição de avanços femininos (autonomia, recusa sexual, independência financeira etc.);

  • Controle patriarcal, possessividade, ciúmes extremos, desejo de subjugação ou punição da mulher que "não se comporta" como esperado pelo agressor.

➡ Exemplo típico: agressor que assassina a vítima por ela ter se recusado a manter relações sexuais ou por ter conseguido um emprego de destaque.


🛑 1. Feminicídio como crime autônomo (Art. 121-A do CP)


📌 Antes: O feminicídio era apenas uma qualificadora do homicídio (art. 121, §2º, VI do CP).
📌 Agora: Com o art. 121-A, o feminicídio é elevado a crime autônomo, com pena de 20 a 40 anos de reclusão, além de agravantes específicas.

⚰️ Art. 121-A – Feminicídio

"Matar mulher por razões da condição do sexo feminino."
📌 Pena: reclusão de 20 a 40 anos 🕰️🔒


🔺 Causas de aumento de pena (1/3 até a metade) (§ 2º)

➡︎ 👶 I – Gestante, puérpera ou responsável por criança/pessoa com deficiência;

➡︎ 👵🧒 II – Se a vítima for:

  • Menor de 14 anos 👦

  • Maior de 60 anos 👵

  • Pessoa com deficiência ou doença degenerativa

➡︎ 👀III – Na presença física ou virtual de ascendente/descendente da vítima;

➡︎ 📜 IV – Descumprimento das medidas protetivas dos incisos I,II e III do art 22 da Lei Maria da Penha;

➡︎ 🔥V – Circunstâncias cruéis (art. 121, § 2º, incisos III, IV e VIII) 💀

  • 🔥 Tortura, fogo, emboscada, veneno ou arma proibida



🧬 2. Lesão corporal agravada por razão de gênero (Art. 129, §§ 9º e 13 do CP)


🩸 Quando a lesão corporal for praticada por razões da condição do sexo feminino, a pena passa a ser de 2 a 5 anos de reclusão — mesmo fora do contexto doméstico.

📌 A norma busca punir mais severamente agressões motivadas por misoginia, ampliando a tutela penal para além da violência doméstica


🧾 3. Crimes contra a honra com pena dobrada (Art. 141, §3º do CP)


🗣️ Calúnia, difamação e injúria contra a mulher por razões do sexo feminino passam a ter pena em dobro, reconhecendo o impacto simbólico e social desse tipo de violência psicológica

Art 141 do Código Penal:

"§ 3º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro."


⚠️ 4. Ameaça (Art. 147, §§ 1º e 2º do CP)


🔊 Pena duplicada: se a ameaça for praticada contra mulher por razão de seu sexo, conforme conceito legal, a pena será aplicada em dobro

⚖️ Mudança essencial: a ação penal será pública incondicionada, ou seja, independe da representação da vítima — rompendo com a lógica que exigia iniciativa da mulher para processar o agressor nesses casos.

Art 147 do Código Penal:

§ 1º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro.
§ 2º Somente se procede mediante representação, exceto na hipótese prevista no § 1º deste artigo."

🚫 5. Efeitos da Condenação (Art. 92 do CP)


📛 Condenados por crimes contra a mulher não poderão ser nomeados para cargos públicos, nem diplomados em mandatos eletivos até o cumprimento da pena. Trata-se de um marco na responsabilização penal com repercussões cívicas concretas. Além disso, haverá repercussões no exercício do poder familiar, tutela ou curatela. 

Os efeitos para os casos envolvendo razões do sexo feminino são automáticos!

Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

II – a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente, tutelado ou curatelado, bem como nos crimes cometidos contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código; (Redação dada pela Lei nº 14.994, de 2024)

III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos (salvo no caso dos incisos I e II do caput e do §2°), devendo ser motivadamente declarados na sentença pelo juiz, mas independem de pedido expresso da acusação, observado o disposto no inciso III do § 2º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

§ 2º Ao condenado por crime praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código serão: (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

I – aplicados os efeitos previstos nos incisos I e II do caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

II – vedadas a sua nomeação, designação ou diplomação em qualquer cargo, função pública ou mandato eletivo entre o trânsito em julgado da condenação até o efetivo cumprimento da pena; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

III – automáticos os efeitos dos incisos I e II do caput e do inciso II do § 2º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

🔱 6. Contravenções agravadas: pena triplicada (Art. 21 da LCP)


✊ Mesmo as vias de fato, quando cometidas contra mulheres por razão de gênero, agora têm pena triplicada, consolidando a lógica de tolerância zero à agressão ainda que de menor potencial ofensivo.

Vias de fato

Art. 21. Praticar vias de fato contra alguem:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime.

§ 1º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 14.994, de 2024)

§ 2º Se a contravenção é praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), aplica-se a pena em triplo."(Lei 14.994/2024)

🚨 7. Execução Penal (Art. 41, 86, 112 e 146-E da LEP)

🔒 O condenado por violência contra mulher:

  • Perde o direito à visita íntima;
  • Suspensão de alguns direitos durante a execução da pena;
  • Será transferido para unidade penal distante da residência da vítima se houver novas ameaças durante a pena
  • Progressão de regime mais rigorosa, condicionada a 55% e vedação do livramento condicional
  • Monitoramento eletrônico obrigatório


  • Art. 41 - Constituem direitos do preso:

    [...]
    V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

    [...]

    X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

    [...]

    XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

    [...]

    § 1º Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do juiz da execução penal. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

    § 2º O preso condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), não poderá usufruir do direito previsto no inciso X em relação à visita íntima ou conjugal. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
  • Art. 86. As penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade Federativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União.

    [...]

    § 4º Será transferido para estabelecimento penal distante do local de residência da vítima, ainda que localizado em outra unidade federativa, inclusive da União, o condenado ou preso provisório que, tendo cometido crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, ameace ou pratique violência contra a vítima ou seus familiares durante o cumprimento da pena. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
  • Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

    [...]

    VI-A – 55% (cinquenta e cinco por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de feminicídio, se for primário, vedado o livramento condicional; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
  • Art. 146-E. O condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), ao usufruir de qualquer benefício em que ocorra a sua saída de estabelecimento penal, será fiscalizado por meio de monitoração eletrônica. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

🧩 8. Feminicídio como crime hediondo (Lei 8.072/1990)


🔥 O feminicídio passa a figurar expressamente no rol dos crimes hediondos, consolidando um regime penal mais severo: vedação à graça, anistia, indulto e fiança.


⚖️ 9. Punição mais severa para descumprimento de medida protetiva (Art. 24-A da LMP)


🛡️ A pena salta de 3 meses a 2 anos para 2 a 5 anos de reclusão, com multa, reforçando a efetividade das medidas.


🧾 10. Prioridade de tramitação e isenção de custas (Art. 394-A do CPP)


⏱️ Processos de crimes hediondos e de violência contra a mulher passam a ter prioridade de tramitação em todas as instâncias.

🆓 Além disso, há isenção de custas e taxas judiciais para a vítima (ou seus familiares, em caso de morte), salvo em caso de má-fé

Art. 394-A do CPP:

Art. 394-A. Os processos que apurem a prática de crime hediondo ou violência contra a mulher terão prioridade de tramitação em todas as instâncias. (Redação dada pela Lei nº 14.994, de 2024)

§ 1º Os processos que apurem violência contra a mulher independerão do pagamento de custas, taxas ou despesas processuais, salvo em caso de má-fé. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

§ 2º As isenções de que trata o § 1º deste artigo aplicam-se apenas à vítima e, em caso de morte, ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, quando a estes couber o direito de representação ou de oferecer queixa ou prosseguir com a ação. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)