O Direito Financeiro na CF/88- Um Resumo Didático

🌐 1. O DIREITO FINANCEIRO COMO SUBCONSTITUIÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO
O Direito Financeiro — nas lições de Kiyoshi Harada — é o ramo do Direito Público que examina, sob perspectiva jurídica, a atividade financeira do Estado, isto é: a obtenção de receitas, a realização de despesas, a administração de recursos e o processo orçamentário. ⚖️💰
📌 Ponto nuclear: o Direito Tributário é apenas parte do Direito Financeiro, pois trata exclusivamente das receitas derivadas (tributos), enquanto o Financeiro engloba todas as receitas + todas as despesas.
📜 Em termos constitucionais, o Direito Financeiro está inserido na chamada "Constituição Financeira", que, segundo Ricardo Lobo Torres, fragmenta-se em três subsistemas:
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🧿 Subsistema Tributário
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💠 Subsistema Financeiro propriamente dito
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📘 Subsistema Orçamentário
"A Constituição Financeira vive no ambiente do pluralismo" (Torres)
🏛️ 2. ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO
A atividade financeira é instrumental e se desdobra em quatro eixos:
💸 1. Receita Pública
Obtidas por meios fiscais (arrecadação) ou extrafiscais (intervenção econômica).
🧾 2. Despesa Pública
Materializa políticas públicas e execução de serviços essenciais.
🗂️ 3. Orçamento Público
Lei que estima receitas e fixa despesas para o exercício financeiro (correspondente ao ano civil).
🧿 4. Crédito Público
O Estado obtém recursos por endividamento (interno ou externo).
❗ Natureza da atividade: pode ser
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Fiscal (custeio das funções estatais), ou
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Extrafiscal (orientação comportamental, indução ou desestímulo econômico)
🌟 3. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E INICIATIVA DAS LEIS FINANCEIRAS
🇧🇷 Competência Concorrente (CF, art. 24)
União, Estados e DF legislando sobre:
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Direito Tributário,
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Direito Financeiro,
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Direito Econômico,
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Urbanístico,
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Penitenciário.
Os Municípios só legislam sobre interesse local.
🖋️ Iniciativa das leis orçamentárias
🔒 Privativa do Chefe do Poder Executivo.
❗
Difere das leis tributárias, que admitem iniciativa concorrente (Executivo + Legislativo).
📚 Julgado essencial (RE 590.697):
O STF assentou que o simples impacto tributário no orçamento não torna privativa a iniciativa do Executivo para leis tributárias
📘 4. LEI COMPLEMENTAR E NORMAS GERAIS DE DIREITO FINANCEIRO
📌 Art. 163 da Constituição: cabe à Lei Complementar dispor sobre:
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Finanças públicas
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Dívida pública
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Garantias
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Títulos
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Fiscalização financeira
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Operações de câmbio
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Compatibilização de funções de instituições oficiais de crédito
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Sustentabilidade da dívida (EC 109/21)
📌 Lei 4.320/1964
Embora formalmente ordinária, foi recepcionada com status de lei complementar. Só pode ser alterada por LC.
📌 Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00)
Também trata de normas gerais de Direito Financeiro e prevalece sobre a 4.320/64 nos pontos conflitantes (critério cronológico)
🧭 5. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO FINANCEIRO
Os princípios funcionam como arquitetura normativa para garantir racionalidade, transparência e legitimidade.
⚖️ 5.1. Princípio da Legalidade Financeira
⛔ Não há despesa sem prévia autorização legislativa.
(arts. 165 e 167 da CF)
Exceção:
📌 Créditos adicionais por Medida Provisória, somente diante de situações excepcionais (guerra, comoção interna, calamidade) — ADI 4048.
🌐 5.2. Universalidade
O orçamento deve conter todas as receitas e todas as despesas (art. 165, §5º).
🕰️ 5.3. Princípio da Precedência
A LOA deve ser aprovada antes do exercício financeiro.
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PPA e LOA → envio até 31 de agosto
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LDO → envio até 15 de abril
E a sessão legislativa não se encerra sem a aprovação da LDO (art. 57, §2º).
🚫📦 5.4. Exclusividade
A LOA não pode conter matéria estranha ao orçamento. (art. 165, §8º)
Exceções:
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Créditos suplementares
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Autorização para operações de crédito (inclusive por antecipação de receitas).
🔗 5.5. Não-afetação da Receita de Impostos
Regra: impostos não podem ser vinculados a órgão/fundo/despesa. (art. 167, IV)
Exceções constitucionais:
🏥 Saúde — financiamento obrigatório da ação e dos serviços públicos de saúde (art. 198, §2º)
🎓 Educação — vinculação mínima para manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212)
🔄 Repartições Constitucionais de Receitas — repasses federativos previstos nos arts. 158 e 159, com suas ressalvas constitucionais
🛡️💸 Garantias para ARO — autorização constitucional para vinculação de receitas na Antecipação de Receita Orçamentária
⚠️ 5.6. Proibição do Estorno de Verbas
É vedado transpor, remanejar ou transferir recursos entre categorias sem autorização legislativa. (art. 167, VI e VIII)
🔄 5.7. Equilíbrio Orçamentário
A Constituição não o expressa textualmente, mas a LRF e ECs 95/16, 109/21 e o novo arcabouço fiscal materializam o princípio:
As despesas autorizadas NÃO serão superiores às previsão das receitas
🎯 5.8. Programação
O orçamento deve priorizar metas, programas e objetivos. (art. 48, II e IV, e 165 §4° CF). Ou seja, O princípio da programação decorre da necessidade da estruturação do orçamento em programas para a realização das finalidades.
🔍 5.9. Transparência
O Executivo deve publicar RREO (Relatório Resumido da Execução Orçamentária) a cada bimestre. (art. 165, §3º)
🧱 6. ORÇAMENTO PÚBLICO: CONCEITOS, ESPÉCIES E NATUREZA JURÍDICA
📝 Conceito
Estipulado por lei que estima receitas e fixa despesas para o exercício financeiro.
É predominantemente autorizativa, mas ganhou "ilhas de impositividade" com com as EC 86/15 e 126/22 (emendas individuais).
⚖️ Natureza Jurídica
📚 Ricardo Lobo Torres: o orçamento é lei formal, não gerando direitos subjetivos.
📘 Doutrina comparada:
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Gaston Jèze → ato-condição
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Duguit → ato administrativo + lei material
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Hoennel → lei formal
🗺️ 7. ESPÉCIES DE LEIS ORÇAMENTÁRIAS
🟦 7.1. PPA – Plano Plurianual (Planejamento de Longo Prazo)
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Vigência: 4 anos
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Começa no 2º ano do mandato → termina no 1º do mandato seguinte
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Fixa diretrizes, objetivos e metas para aquele governo
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Exige planejamento regionalizado
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Nenhum investimento plurianual pode ocorrer sem prévia inclusão no PPA, sob pena de crime de responsabilidade
🟩 7.2. LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias (Curto Prazo)
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Conecta PPA ↔ LOA
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Define metas e prioridades
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Estabelece política fiscal e metas compatíveis com trajetória sustentável da dívida (EC 109/21)
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Autoriza:
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Criação de cargos
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Aumentos
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Reestruturação de carreiras
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Contratações
❗ Excetuam-se EPs e SEMs, que não dependem dessa autorização (art. 169, §1º, II).
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🟥 7.3. LOA – Lei Orçamentária Anual
Composta por três suborçamentos:
➡︎ 📘 Orçamento Fiscal
Administração direta e indireta, fundos e fundações.
🔎 Obs.: estatais dependentes integram; independentes não.
➡︎ 🏢 Orçamento de Investimento das Estatais
Abrange EPs e SEMs controladas.
➡︎ 🩺 Orçamento da Seguridade Social
Saúde + Previdência + Assistência.
A LOA deve conter ainda:
📊 Demonstrativo regionalizado dos efeitos de anistias, isenções, remissões, subsídios e benefícios tributários/creditícios.
E observa todas as regras dos arts. 165 e 166 da CF.
🏛️ 8. EMENDAS PARLAMENTARES E IMPOSITIVIDADE (EC 86/15 e EC 126/22)
💠 Emendas Individuais
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Limite: 2% da RCL (art. 166, §9º)
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1,55% Deputados / 0,45% Senadores
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50% → saúde
🎯 Execução obrigatória
§11: execução impositiva
§13: exceção – impedimentos técnicos
🟧 Emendas de Bancada
Impositivas até 1% da RCL (art. 166, §12).
🟨 Restos a pagar
Podem contar para execução:
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1% → individuais
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0,5% → bancada
(§17)
⚖️📘 EXECUÇÃO IMPOSITIVA vs. EXECUÇÃO EQUITATIVA
🟥 1) EXECUÇÃO IMPOSITIVA
("o Executivo é obrigado a executar")
A execução impositiva é o dever constitucional inarredável imposto ao Poder Executivo de executar determinadas dotações orçamentárias, ainda que não queira ou que considere politicamente inconveniente.
➡︎
Não há discricionariedade.
➡︎
Não há conveniência administrativa.
➡︎
Não há margem de escolha.
É execução obrigatória, vinculada, cogente, "imperativa" — razão pela qual se chama impositiva.
📜 Fundamento constitucional
Trata-se de regra criada pelo constituinte derivado para:
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Emendas parlamentares individuais → art. 166, §11 (EC 86/15 e EC 126/22)
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Emendas de bancada → art. 166, §12 (EC 100/19)
🔍 Em síntese:
"Se a emenda foi aprovada dentro dos limites constitucionais, o Executivo é obrigado a executar a despesa."
🧨 Exceção (única)
🛑 Impedimento técnico
(art. 166, §13):
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falta de projeto executivo
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impossibilidade jurídica
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inviabilidade técnica comprovada
Nada mais afasta a impositividade.
🟦 2) EXECUÇÃO EQUITATIVA
("o Executivo deve executar sem discriminar, com critérios objetivos, igualitários e impessoais")
A execução equitativa é uma cláusula constitucional de imparcialidade distributiva, é um critério que rege a distribuição de certas despesas (como emendas parlamentares) e determina que a liberação de recursos deve ocorrer de forma igualitária e impessoal entre os beneficiários, seguindo critérios objetivos, independentemente da autoria da emenda criada para impedir que o Executivo favoreça aliados políticos ou sabote adversários na escolha da ordem, ritmo ou conveniência da execução das emendas obrigatórias.
Não basta executar. É preciso executar sem perseguições, sem favorecimentos e sem distorções políticas.
É uma exigência de isonomia orçamentária.
📜 Fundamento constitucional
Art. 166, §19 da CF/88 (EC 126/22):
"Considera-se equitativa a execução das programações obrigatórias que observe critérios objetivos, imparciais, igualitários, independentemente de autoria."
💡 O que isso quer dizer na prática?
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❌ O Executivo não pode atrasar propositalmente emendas de opositores.
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❌ Não pode priorizar aliados no cronograma de pagamento.
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❌ Não pode criar "entraves técnicos fictícios" seletivamente.
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✔️ Deve executar conforme critérios gerais previamente definidos.
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✔️ Processos e prazos devem ser uniformes para todos.
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✔️ Transparência e padronização são obrigatórias.
