Tutela Provisória Contra a Fazenda Pública

🧭 1. Introdução
O tema é polêmico e a legislação não ajuda! Parece uma "colcha - de - retalhos" piorada com as decisões da jurisprudência pátria dos Tribunais Superiores. No entanto, o Clube do Papiro traz os pontos cernes da questão para que não faltem argumentos na hora da prova dissertativa ou oral!
Durante décadas, a jurisprudência brasileira oscilou entre concessões tímidas e uma vedação quase absoluta da tutela provisória contra a Fazenda Pública. Isso se baseava em uma leitura rígida da Lei 9.494/97 e da Lei 8.437/92, associada, posteriormente, ao atual art. 1.059 do CPC/2015.
Entretanto, decisões paradigmáticas, como a ADC 4/DF, a ADI 4.296/DF, além de diversos julgados do STJ e do STF, redefiniram o equilíbrio entre o interesse público e a urgência privada, favorecendo o princípio da efetividade do processo e da isonomia processual — sobretudo quando estão em jogo direitos fundamentais.
A clássica tese de que seria vedada a concessão de tutela provisória — em especial a antecipada — contra a Fazenda Pública repousava sobre três pilares hermenêuticos tradicionais, segundo Daniel Amorim Assumpção Neves:
📌 (a) O reexame necessário (art. 496 do CPC);
📌 (b) A exigência de trânsito em julgado para expedição de precatórios (art. 100 da CF);
📌 (c) A suposta proibição de medidas "cautelares satisfativas" em virtude do art. 1º da Lei 8.952/94.
🛠️ 2. Os Três Pilares Superados da Vedação Histórica
➡︎ 🔁 Remessa Necessária
📘 Fundamento legal:
A remessa necessária está prevista no art. 496 do CPC/2015. Segundo esse dispositivo, sentenças proferidas contra a Fazenda Pública, nos casos previstos no cpc, não produzem efeitos imediatos, devendo ser reexaminadas obrigatoriamente pelo tribunal competente, mesmo que não haja apelação.
É a chamada "dupla garantia jurisdicional":
A Fazenda não precisa recorrer — o juiz de primeiro grau decide, mas o tribunal é obrigado a revisar.
⚖️ Qual o objetivo?
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Proteger o interesse público, evitando decisões injustas ou precipitadas que possam causar prejuízo ao erário;
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Submeter à instância superior as causas em que a Fazenda perde, mesmo sem iniciativa dela.
❌ Aplicação restrita a sentenças
A remessa necessária se aplica apenas a sentenças (decisões terminativas do processo com ou sem julgamento de mérito).
✅ Por outro lado, tutelas provisórias são decisões interlocutórias, pois:
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Não encerram o processo;
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Não fazem coisa julgada;
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Podem ser revistas a qualquer momento (art. 296 do CPC).
Portanto, não se exige remessa necessária para decisões interlocutórias que concedem tutela provisória, como uma liminar em mandado de segurança ou uma antecipação de tutela em ação ordinária.
🧠 Logo, é juridicamente incorreto dizer que a existência da remessa necessária impede a concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública.
➡︎ 💸 Regime de Precatórios
📜 Fundamento:
O art. 100 da Constituição Federal de 1988 estabelece que as dívidas do Estado decorrentes de decisão judicial transitada em julgado, que envolvam pagamento de quantia certa, devem ser satisfeitas por meio de precatórios (ou RPV — Requisições de Pequeno Valor, nos termos do §3º do art. 100).
📌 Ou seja:
Se e somente se a decisão for:
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Contra a Fazenda Pública;
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Tiver trânsito em julgado;
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Envolver pagamento de quantia certa;
então ela será submetida ao regime de precatórios ou RPV.
⚠️ Por que isso não impede a tutela provisória?
As tutelas provisórias, em sua maioria:
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Não envolvem condenação definitiva;
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Frequentemente dizem respeito a obrigações de fazer (ex: fornecimento de medicamento, realização de procedimento cirúrgico, matrícula em escola etc.);
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Podem ser revogadas ou modificadas (art. 296 do CPC).
🔎 E mesmo se envolver dinheiro?
Caso a tutela provisória antecipe valores (ex: pagamento provisório de benefício previdenciário), a jurisprudência tem admitido a concessão da medida em situações excepcionais, desde que:
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Haja risco à dignidade da pessoa humana;
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A medida seja reversível;
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E, em regra, os valores sejam pagos por RPV, e não por precatório.
➡︎ ⚠️ Vedação à "cautelar satisfativa"
🔎 O que se entendeu (erroneamente) por anos:
Durante muito tempo, a jurisprudência e parte da doutrina entenderam que seria vedada a concessão de liminares que "satisfizessem" o objeto da ação — ou seja, liminares que antecipassem os efeitos finais do provimento jurisdicional — especialmente quando dirigidas contra a Fazenda Pública.
Esse entendimento baseava-se na leitura do art. 1º da Lei 8.952/94, que alterou o CPC/73 para permitir a tutela antecipada. O dispositivo mencionava que o juiz poderia "antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que presentes certos requisitos".
Contudo, ao interpretar esse dispositivo em conjunto com as vedações da Lei 9.494/97 e da Lei 8.437/92, passou-se a afirmar que, em se tratando de Fazenda Pública, não se poderia conceder liminar que tivesse conteúdo satisfativo — ou seja, que antecipasse de forma concreta os efeitos do pedido final (ex.: reintegrar servidor, obrigar o Estado a fornecer tratamento médico, pagar parcelas atrasadas etc.).
📚 O que a doutrina moderna demonstra?
❝ Não há, no art. 1º da Lei 8.952/94, qualquer vedação à concessão de medidas satisfativas em caráter liminar. A norma apenas disciplina os requisitos para sua concessão. ❞
🏛️ 3. Paradigmas Constitucionais: ADC 4 e ADI 4.296 – Uma Hermenêutica Constitucional de Transição
O embate jurisprudencial acerca da possibilidade de concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública é notoriamente tensionado entre duas decisões paradigmáticas do Supremo Tribunal Federal: a ADC 4/DF, de 2008, e a ADI 4.296/DF, de 2021. Embora ambas tratem de limitações à tutela jurisdicional contra o Estado, o que se observa é uma transição hermenêutica clara, do formalismo restritivo ao constitucionalismo garantista, guiado pelos princípios da inafastabilidade da jurisdição, da efetividade e da proporcionalidade.
🔹 3.1. ADC 4/DF (2008) – A consagração formal da vedação legal
Ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 4, o STF reconheceu a validade do art. 1º da Lei 9.494/1997, que veda a concessão de tutela antecipada contra o Poder Público nas seguintes hipóteses:
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Reclassificação ou equiparação de servidores públicos;
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Concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias.
Contudo, o Supremo delimitou o alcance dessa vedação, deixando claro que ela não possui caráter absoluto. A interpretação deve ser restritiva, ou seja, aplicável apenas às hipóteses taxativamente previstas no referido artigo.
📌 Exemplos práticos dessa flexibilização:
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Causas previdenciárias:
A ADC 4 não impede tutela antecipada em ações de natureza previdenciária, como reconhecido pela própria Corte:🧾 Súmula 729-STF: "A decisão na ADC 4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária".
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Férias de servidores públicos:
A Rcl 4311/DF firmou que tutela antecipada para fruição de férias não está abrangida pela vedação da Lei 9.494/97, uma vez que não se trata de reclassificação ou concessão de vantagem.📚 STF. Plenário. Rcl 4311/DF, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 6/11/2014 (Info 766).
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Sentença meritória com efeitos antecipatórios:
O STF também assentou que a vedação não se aplica quando os efeitos antecipatórios constam da própria sentença de mérito, e não de decisão interlocutória:🧠 "A concessão, em sentença de mérito, de antecipação dos efeitos da tutela em face do Poder Público não afronta a autoridade da decisão proferida na ADC 4."
📚 STF. 1ª Turma. Rcl 8902 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 05/08/2014. -
Promoção funcional com efeito secundário pecuniário:
Ainda no mesmo precedente (Rcl 8902), o STF admitiu que é possível conceder tutela para promover servidor ou incluí-lo em curso de habilitação, ainda que isso gere efeitos financeiros secundários. O que se veda é a concessão direta de vantagem pecuniária por meio de tutela antecipada.
⚖️ 3.2. ADI 4.296/DF (2021) – A revalorização do poder geral de cautela
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.296/DF, o Supremo Tribunal Federal rompeu com a lógica de blindagem prévia do Estado, declarando inconstitucional o art. 7º, § 2º, da Lei 12.016/2009, que reproduzia as mesmas vedações da Lei 9.494/97, agora no âmbito do mandado de segurança:
❝ Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. ❞
📌 O STF foi categórico:
🧠 "É inconstitucional ato normativo que vede ou condicione a concessão de medida liminar na via mandamental."
O fundamento da decisão reside na violação:
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Ao acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF);
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À garantia do mandado de segurança como remédio constitucional efetivo (art. 5º, LXIX);
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Ao princípio do devido processo legal substancial.
O tema é polêmico, mas ouso dizer que a doutrina moderna tem entendido que a ADI 4.296 não invalidou, de forma genérica, todas as vedações legais à tutela provisória contra a Fazenda Pública, mas somente aquelas constantes na Lei do Mandado de Segurança, por serem incompatíveis com a lógica própria do instrumento e por criarem um obstáculo absoluto e apriorístico à cognição judicial de urgência.
🧬 4. Tutela Provisória Contra a Fazenda Pública e o Direito à Saúde
💊 Casos de Saúde e Direitos Fundamentais
A jurisprudência do STJ e do STF tem admitido:
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Fornecimento de medicamentos;
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Internações e cirurgias urgentes;
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Garantia de vaga em creches;
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Liberação de tratamentos fora da lista SUS.
📌 A Súmula 729/STF relativiza as vedações da ADC 4 ao permitir tutela antecipada em hipóteses excepcionalíssimas, em que esteja em jogo o direito à vida e à saúde

Até a próxima! 👋